quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Fotocópia do cartão de cidadão

  
  Uma das questões jurídicas que tem levantado muitas dúvidas atualmente e tem já feito correr rios de tinta, é a das fotocópias do Cartão de Cidadão (CC).
  
  Tudo começou quando a Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, chamou a atenção para esta questão na Comissão Parlamentear de Orçamento, uma vez que é prática comum em muitas instituições, inclusivamente públicas, solicitar uma fotocópia do CC como documento obrigatório, quando a lei refere expressamente, que tal só poderá ser feito com o consentimento do seu titular (artigo 5º/2  da Lei 7/2007 de 5 de fevereiro). 
  Apesar de tudo o que já se escreveu sobre o assunto, vou aqui expor algumas questões que ainda me são frequentemente colocadas sobre o tema.

  É sempre proibida a fotocópia do Cartão de Cidadão?

  Não. Ao contrário do que se tem dito, a lei cria três exceções. Muitas pessoas (nomeadamente jornalistas) leem a lei (quando leem) e se não virem escrita a palavra “exceções”, assumem logo que estas não existem. Contudo, a norma é até bastante clara quando utiliza, no n.º 2 do artigo 5.º, a expressão “salvo nos casos”. 

  Quais são então, essas exceções?

  A primeira exceção, e a que se tem dado mais atenção, é a do consentimento do titular do cartão. Se este estiver de acordo, então a fotocópia é autorizada. Porém, este consentimento tem de ser um ato voluntário. Tem de partir do titular a iniciativa de disponibilizar uma fotocópia do Cartão de Cidadão, sem esta lhe ser solicitada. Quando observamos, em diversas situações, que a fotocópia é documento obrigatório, ou que sem esta não conseguimos ter acesso a certos serviços, não se pode dizer que houve um consentimento. O seu titular está condicionado pela única opção que lhe permita alcançar aquilo que quer. Está no direito de não entregar a fotocópia, mas se não o fizer não consegue, por exemplo, fazer a portabilidade de um número de telefone. Logo aqui não se pode dizer que existe um consentimento do titular. Para observar se existe essa permissão do titular, tem de haver resposta positiva a pelo menos uma das seguintes questões: Se o titular do Cartão de Cidadão optar por não entregar a fotocópia, ainda assim tem direito ao serviço nas mesmas condições? Foi o titular do Cartão de Cidadão que tomou a iniciativa de perguntar se queriam a fotocópia do Cartão de Cidadão?

  A segunda exceção não levanta grandes questões. É a imposição de entrega da fotocópia “mediante decisão da autoridade judiciária”. Aqui não precisa de existir consentimento do titular. São autoridades judiciárias o Ministério Público, o Juiz de Instrução e o Juiz (de julgamento), nos termos da al. d), do art. 1.º do Código de Processo Penal (CPP). Esta situação acontecerá, por exemplo, quando for decretada a medida de coação de termo de identidade e residência do 196.º do CPP. 
Aplica-se portanto em processos que estão em tribunal.

  A terceira exceção consiste em situações que a própria lei impõe a entrega de tal fotocópia.
Esta disposição gera alguma controvérsia, na medida em que não especifica quais serão esses casos, obrigando-nos assim a ter de consultar todos os diplomas que possam aludir a esta questão. Esta tarefa, para além de contraproducente é extremamente complicada porque nem sabemos por onde havemos de começar. 
  Assim, o que aconselho a fazer é que, junto da instituição que vos exige tal fotocópia, perguntarem onde é que se encontra na lei a obrigação de lhe entregarem a referida fotocópia e depois poderão vocês mesmos fazer a consulta desse diploma.
  Atenção antes de mais para duas ressalvas. A primeira é de que a entrega de fotocópia tem de estar “expressamente prevista”, ou seja, se a lei fizer apenas alusão aos prazos de armazenamento das fotocópias de certas instituições, não quer dizer que seja obrigatório entregar as fotocópias. Quer apenas dizer, que se as instituições tiverem tais fotocópias, estas terão de ser armazenadas de acordo com certos requisitos, não quer dizer que essas mesmas instituições podem exigir essa fotocópia contra a vontade do titular. 
  A segunda ressalva é de que a exigência de fotocópia tem de estar prevista em lei. Isto significa que não basta estar em regulamentos internos das instituições, ou resoluções de instituições com algum poder vinculativo sobre as demais instituições dos ramos, como é o caso do Banco de Portugal. A lei tem de dimanar de um dos órgãos com o poder legislativo (Assembleia da República ou Governo), caso contrário, não vale como exceção ao 5º/2 da Lei 7/2007 de 5 de fevereiro.

  E se a entidade se recursar a prestar-me o serviço sem a fotocópia do cartão de Cidadão?

  O maior problema desta disposição legal é que de facto não tem qualquer contrapartida legal para o seu não cumprimento, tonando-se muito fácil contornar a norma, nomeadamente, porque o particular a quem se solicita a cópia está numa posição enfraquecida, que deriva da necessidade do serviço e, nesse sentido, só lhe resta aceder ao pedido que lhe fazem.
 Atualmente discute-se a implementação de uma coima que poderá ir até aos 750€ para as entidades que insistam na solicitação deste documento. Apesar de ser para breve, o vazio legal é ainda uma realidade, pelo que resta apenas fazer a devida reclamação (solicitando o livro de reclamações) e esperar que a instituição cumpra com a lei.


  Para os mais curiosos segue aqui o link do diploma legal publicado em Diário da República, já com as devidas atualizações, e não se esqueçam de enviar as vossas dúvidas jurídicas para o blogquidiuris@gmail.com .

  Saudações jurídicas!

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